terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Mensagem da CNBB aos políticos recentemente eleitos

Excelentíssimos (as) Governadores, Senadores e Senadoras, Deputados e Deputadas Federais, Estaduais e Distritais!
Iniciais um novo mandato.
Este é um importante momento para vossas vidas e para o Brasil.
Por isso, nós, bispos da Igreja Católica em Goiás, no Tocantins e no Distrito Federal, vos dirigimos essa mensagem pastoral de esperança e confiança.
Evocamos as exigências inerentes à vida pública, mencionamos a colaboração da Igreja na história brasileira, elencamos alguns desafios sociais, econômicos e ambientais, externamos expectativas e preocupações, enfatizamos o imperativo da ética na política e, sobretudo, vos desejamos sabedoria nas decisões e coragem nas dificuldades.
Apresentados pelos partidos e escolhidos democraticamente pelo povo, tereis uma longa e responsável jornada.
É o “terceiro turno”, decorrente dos turnos eleitorais.
É a oportunidade de viabilizar as propostas e projetos de governo que foram apresentados e divulgados em vossos discursos e programas eletivos.
É a ocasião singular de revelar publicamente vosso caráter e testemunhar vossa palavra empenhada .
Todo começo de uma missão ou mandato é sempre desafiador e exigente.
Por mais experimentados que sejais, sabeis que os acontecimentos não se repetem.
O amanhã sempre é uma incógnita, uma realidade desconhecida que vos aguarda.
Deveis estar preparados para enfrentar qualquer situação que virá no futuro.
Por isso, é preciso começar bem e certo esse novo serviço em prol da sociedade.
Não tenhais medo.
Tende confiança.
O povo, autor de vossa eleição, confia em vós e sabe da exigente responsabilidade que vos atribuiu.
E nós, bispos da Igreja Católica no Centro-Oeste do Brasil, respeitando a legítima autonomia de vossos poderes, empenhamos nosso compromisso e a subsidiariedade da Igreja para que o serviço à justiça e à solidariedade seja eficaz e gere vida em abundância para todos.
Como cristãos, em dois mil anos de história, a Tradição nos legou múltiplos modos de empenho na criativa e responsável construção do mundo.
Nos primeiros séculos do cristianismo, nos foi testemunhado que os cristãos “participavam na vida pública como cidadãos” (Carta a Diogneto 5,5).
Exemplo claro foi São Tomás Moro (século XVI), proclamado padroeiro dos governantes e dos políticos por testemunhar até ao martírio a dignidade inalienável da consciência.
No Brasil, a Igreja colaborou com o projeto de nação desde a primeira hora - não obstante as contradições históricas -, especialmente no serviço para a educação, arte e saúde.
Esteve presente nos esforços da Independência e acompanhou todos os movimentos sociais, políticos e econômicos do Brasil.
Esteve na formação territorial brasileira , particularmente na Marcha Para o Oeste, e nas primeiras comunidades, vilarejos, cidades e, enfim, na criação das capitais Goiânia, Brasília e Palmas.
Em difíceis tempos de regime militar, acolheu as manifestações populares em seus templos e defendeu a vida de milhares de políticos perseguidos (Cf. CNBB, Exigências cristãs de uma ordem política).
Participou ativamente na redemocratização do Brasil e na elaboração de uma nova Constituição (Cf. CNBB, Por uma nova ordem constitucional; e Exigências éticas da ordem democrática). Visando aperfeiçoar a democracia brasileira, conferir maior legitimidade aos mandatos, promoveu Ação Popular, com mais de 1 milhão de assinaturas, o que incidiu na aprovação da Lei n. 9.840/99, que proíbe a compra de votos e o uso eleitoral da máquina administrativa.
Há, todavia, um árduo trabalho político na continuidade da construção do projeto de nação e no desenvolvimento sustentável e socialmente justo em Goiás, no Tocantins, no Distrito Federal e em todo o Brasil. Elencamos algumas das maiores exigências e desafios:
(1) fortalecer a defesa da vida humana, desde a sua concepção até o final de seus dias;
(2) ampliar as oportunidades de trabalho;
(3) democratizar o acesso à terra e ao solo urbano, mediante políticas agrícola e hídrica e planos diretores de desenvolvimento urbano;
(4) empreender urgente reforma política;
(5) rever o modelo econômico e o processo de mercantilização da vida;
(6) democratizar o Estado e ampliar a participação popular;
(7) proteger o meio ambiente, particularmente o bioma Cerrado e a Amazônia (Cf. CNBB, Eleições 2006), tema que escolhemos para a reflexão durante a Campanha da Fraternidade/2007;
(8) reforçar a soberania da nação e os bens de nossa Região, especialmente a água, a flora e fauna, os solos agricultáveis.
Em profunda comunhão e sintonia com o povo de Goiás, do Tocantins, do Distrito Federal e de todo o Brasil – a quem dedicamos inteiramente nossas vidas como Pastores -, sentimos e manifestamos algumas de nossas apreensões, preocupações e expectativas acerca da realidade política brasileira:
(a) a fidelidade partidária parece ceder lugar ao aluguel de siglas e às fáceis mudanças de partidos em vista de conjunturais acomodações políticas. Os princípios político-ideológicos, os conteúdos e os programas dos partidos, além de fornecerem fundamentação aos planos de governo, também definem o perfil e as convicções das lideranças. O troca-troca de partidos suscita a desconfiança e induz à superficialidade dos compromissos;
(b) o alto custo das campanhas, amplamente divulgado pelos meios de comunicação social, nos interroga sobre as condições de igualdade entre os candidatos e, após eleitos, quais as obrigações de reciprocidade àqueles que apoiaram suas campanhas com vultuosos recursos financeiros;
(c) a situação financeira dos Estados inviabiliza os novos projetos e promessas, os serviços permanentes do Estado e o saneamento das ameaçadoras dívidas de entidades que colaboram com as políticas públicas. Um gesto exemplar para o início de vossos mandatos seria rever os valores dos próprios salários e o que custais financeiramente para a sociedade;
(d) a realidade da Educação, pois, segundo o MEC, baseado no censo escolar de 2002, há um déficit de 710 mil professores no Brasil (Cf. Terra Educação, 2006). Como estimular os jovens para escolher essa profissão? Como assumirem responsabilidade tão grande sustentados por salários tão baixos? Como conquistaremos a soberania e a inovação tecnológica sem os professores? São perguntas inquietantes que aguardam efetiva resposta dos novos eleitos;
(e) a legítima autonomia entre Igrejas e Estado parece ser uma meta republicana ainda não plenamente realizada. Nenhuma liderança política deveria instrumentalizar sua Igreja em função de cargos; e nenhuma Igreja deveria usar o Estado para seus interesses particulares. O Estado é de todos e para todos, quaisquer que sejam as opções e condições de cada cidadão. A história, mestra da vida, ensina que disputas religiosas pelo poder do Estado resultaram, com freqüência, em sangue e intermináveis conflitos. É necessário um solidário e ecumênico empenho das igrejas cristãs e das lideranças políticas para não transformar a política do Bem Comum em disputa religiosa, ofuscando as representações e inviabilizando a paz, a concórdia e a união a fim de enfrentar e superar os grandes problemas da sociedade, especialmente dos mais pobres;
(f) a ética na política é a suprema expectativa para os mandatos que se iniciam. Os escândalos de corrupção causaram profunda descrença da sociedade brasileira na política e nos políticos. A corrupção não conhece limites políticos e geográficos, atravessa todos os setores, atrofia o crescimento econômico e a qualidade humana da vida social, inviabiliza o funcionamento do Estado, estraçalha as relações entre governantes e governados, produz desconfiança sobre as instituições públicas e causa progressivo menosprezo dos cidadãos pela política e pelos seus representantes, debilitando a democracia e as instituições. A Igreja considera a corrupção uma grave deformação do sistema político e uma das maiores causas para o subdesenvolvimento e para a pobreza. “Os comportamentos corruptos podem ser compreendidos adequadamente somente se vistos como fruto da dilaceração da ecologia humana. Se a família não é capaz de cumprir com sua tarefa educativa, se leis contrárias ao autêntico bem do homem - como aquelas contra a vida - deseducam os cidadãos sobre o bem, se a justiça age com lentidão, se a moralidade de base se debilita pela transgressão tolerada, se degradam-se as condições de vida, se a escola não acolhe e emancipa, não é possível assegurar a ecologia humana, cuja ausência prepara o terreno para que o fenômeno da corrupção plante suas raízes” (Nota do Pontifício Conselho Justiça e Paz, 2006, n. 7).
A Igreja aponta alguns princípios que atestam a vocação e o serviço dos cristãos na política, princípios esses que desejamos partilhar convosco:
a) a persecução do bem comum;
b) a prática da justiça, com particular atenção para as situações de pobreza e de sofrimento;
c) o princípio da subsidiariedade;
d) a promoção do diálogo e da paz no horizonte da solidariedade (Compêndio da Doutrina Social da Igreja nº 565).
Estas orientações maiores certamente estarão presentes no vosso diuturno trabalho em prol do bem comum, assegurando a integridade nos encargos de responsabilidade frente às instituições públicas para as quais os vossos mandatos estão destinados.
Muitas são as exigências e os desafios; grande é a vossa responsabilidade.
Disse Jesus: “Eu vos asseguro, o que fizestes a estes meus irmãos menores a mim o fizestes” (Mt 25,12).
Tendes, portanto, propícia oportunidade para fazer da política a suprema expressão e testemunho da caridade social e do amor.
Que o espírito da sabedoria suscite em vós a inteligência para encontrar alternativas viáveis e discernimento para decidir corretamente.
Que sejais protegidos de todo mal, especialmente da corrupção e da violência.
Que as crianças e os jovens tenham em vós um exemplo de vida a ser seguido.
Que vosso mandato seja pleno de êxito e traga felicidade a todos os brasileiros.
O caminho que iniciais é difícil e poderá inquietar os vossos corações.
Tende coragem.
Deus, que um dia vocacionou Moisés e lideranças para libertar e governar o seu povo, hoje, em Goiás, no Tocantins, no Distrito Federal e em todo o Brasil, vos chama e envia para servir.
“O Senhor vos abençoe e vos guarde!
O Senhor faça brilhar sobre vós a sua face, e se compadeça de vós!
O Senhor volte para vós o seu rosto e vos dê a paz!” (Nm 6, 24-26).
Goiânia, 1º de fevereiro de 2007 .
Fonte http://www.cnbbco.org.br/noticias_detalhe.php?id_noticia=69

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